ENERGIAS
Conheça o projeto que poderá revolucionar a energia em Portugal

Conheça o projeto que poderá revolucionar a energia em Portugal

Aplicado já em vários edifícios de Lisboa, este projeto visa testar uma nova tecnologia que, a maior escala, poderia permitir a transição para o uso largamente maioritário de energias renováveis na rede elétrica portuguesa.

No ano passado, 48% da energia produzida em Portugal proveio de fontes renováveis. No passado mês de maio, a rede elétrica portuguesa foi alimentada exclusivamente por energia hidráulica, eólica, e solar por um total de 107 horas ininterruptas.

No entanto, a nossa rede elétrica como a conhecemos está longe do poder depender consistentemente de energias renováveis. Os obstáculos prendem-se, na sua essência, na variabilidade da produção eólica e do consumo.

Flutuações no consumo são um desafio tão antigo quanto o conceito de rede elétrica. Como a eletricidade pode apenas ser consumida no momento da sua produção, para responder ao consumo de energia elétrica, as centrais necessitam de produzir as quantidades precisas de energia necessárias, no momento necessário. Abaixo desse nível, existe uma diminuição de tensão e frequência, e no limite ocorre um apagão.

Acima, a energia em excesso—a produção da qual implica grandes quantidades de poluição e consumo de recursos finitos— é desperdiçada recorrendo ao consumo por centrais hídricas.

Para além disto, o consumo de energia depende grandemente de fatores que afetam toda ou grande parte da população, como o clima, o que causa grandes picos.

Toda a infraestrutura da rede tradicional está estruturada para suportar estes picos, ativando geradores de reserva para responder a aumentos drásticos no consumo. Salvo algumas exceções de si já limitadas, é impossível aplicar este processo a fontes renováveis—não só pelo óbvio facto de não podermos controlar os elementos, mas porque não temos forma viável de armazenar energia a tão grande escala.

Benefícios para todos

Com a duração de três anos, este projeto resulta de um acordo assinado entre o Laboratório Nacional de Energia e Geologia e a NEDO (New Energy and Industrial Technology Development Organization of Japan), e de uma parceria entre a Everis Portugal, a Efacec Energia e a Daikin, multinacional especializada em sistemas de climatização. Visa testar um sistema que, a maior escala, poderia estabilizar proactivamente o equilíbrio produção-consumo, optimizando a eficiência das redes energéticas e permitindo o aproveitamento máximo das energias renováveis.

O sucesso desta iniciativa, e a eventual introdução do sistema no mercado, implicaria grandes benefícios para todas as partes envolvidas: para o consumidor, armando-o com ferramentas para reduzir o seu consumo durante os picos e aproveitar as tarifas mais baixas; para as companhias elétricas, optimizando a eficiência da rede e minimizando desperdícios; e para o ambiente, pela viabilização do uso de energias renováveis e redução dos danos causados pela exploração e uso de combustíveis fósseis.

Automated Demand Response

Automated Demand Response consiste na adaptação automatizada e em tempo real do funcionamento de aparelhos elétricos (ar condicionado, carros elétricos, etc) às variações de carga na rede, de forma a estes consumirem e/ou armazenarem energia quando a produção excede o consumo, consumindo o menos possível durante picos.

É um conceito tão simples quanto eficaz: não requer uma restruturação integral de toda a infraestrutura da rede, nem que todos os equipamentos ligados à rede estejam incorporados, para apresentar resultados.

Segundo Tiago Múrias, diretor do projeto, Everis Portugal, este foi desenvolvido em três patamares:

  • Daikin desenvolveu sistemas de ar condicionado com acumulação de energia térmica, que serão implementados em vários edifícios do LNEG e da Câmara de Lisboa.


  • A Efacec desenvolveu o sistema de metering e automação que permite controlar o consumo dos equipamentos em função da rede.


  • A Everis desenvolveu o sistema de informação que permite coordenar todo o sistema de forma a não só dar resposta em tempo real a flutuações de produção e consumo na rede elétrica para contrabalançar picos mas adaptar o consumo em função da previsões de fatores que afetem a produção e consumo.


“Já foi ultrapassada a fase de R&D, e agora vamos fazer o que chamamos um projeto de demonstração,” explica Múrias. “Ou seja, temos uma nova tecnologia, a investigação foi feita e os resultados medidos foram positivos, e agora vamos fazer a demonstração de como este sistema funciona no mundo real.”

ADR para o seu edifício

Se o projeto for bem sucedido, as diversas componentes do sistema irão ser disponibilizadas pelas empresas envolvidas, podendo inclusivamente levar à incorporação de novos tipo outros métodos de armazenamento de energia, quer por sistemas de armazenamento de calor ou frio que por baterias. No que toca ao sistema na íntegra ou outros sistemas que possam daí advir, como serviço, o tempo dirá.

“Dependendo do modelo de negócio que é montado, podemos inclusivamente conseguir ir a mercado diretamente,” afirma Tiago Múrias. “Isto pode dar uma nova flexibilidade aos consumidores no sentido de termos novos modelos de negócio em que, por exemplo, vários edifícios de escritórios estão unidos num agregador de consumos, e este consegue negociar [com as companhias elétricas] os melhores preços para estes clientes.”

Acrescenta também:

“Em Portugal irá haver mercado, mas falta dar alguns passos—deste a regulação até à criação de empresas que se foquem diretamente neste tipo de negócio.”

Uma vez feito isto, fornecer as ferramentas necessárias ao consumidor é já meio caminho andado para a transição da nossa rede elétrica para uma Smart Grid. Afinal, se uma entidade tiver esta flexibilidade, irá tender sempre para o mesmo comportamento: consumir o máximo na sua tarifa mais baixa e o mínimo na sua tarifa mais cara. Havendo um número suficiente de entidades a fazer o mesmo—em particular edifícios empresariais, responsáveis por grande parte do consumo energético de qualquer cidade—temos uma rede proativamente estável, flexível e eficiente, uma pegada de carbono significativamente reduzida, o maior aproveitamento possível de energias renováveis, e uma poupança considerável por parte do consumidor.

“Quando conseguimos não só fazer isto como indivíduos, mas ter um sistema alargado em que estamos a controlar uma rede enorme destes sistemas nos quais podemos controlar o consumo, podemos ter um efeito ainda mais benéfico. É um efeito que não só permite reduzir o custo individual, mas que permite reduzir um custo que seria para todos e atuar de uma forma mais eficiente, não só para o indivíduo mas para toda a rede. O que acho que tem valor por si só.”

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