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A pegada invisível do mundo digital

A pegada invisível do mundo digital

Em conversa com a IT Insight, Pablo Gámez Cersosimo foca as descobertas divulgadas no seu livro “Depredadores Digitales”, focado no verdadeiro custo ambiental da digitalização

As tecnologias digitais são frequentemente vistas – e deliberadamente publicitadas – como sustentáveis por defeito, divorciadas do mundo físico, e sem impacto no mesmo. Mesmo quando existe conhecimento dos processos e infraestruturas físicas necessárias para o funcionamento destas tecnologias, o impacto carbónico do digital não faz ainda parte da consciência pública ou das conversas em torno da sustentabilidade, ou considerado na construção de estratégias de transformação digital. A digitalização de processos é vista como um vácuo, um conceito abstrato sem correspondente impacto no mundo físico.

“Depredadores Digitales”, escrito por Pablo Gámez Cersosimo, é o resultado de uma investigação de cerca de cinco anos, onde é analisada a estrutura fóssil da indústria digital. A principal conclusão, delineia o autor, é que a pegada de carbono digital deve ser entendida como problemática em termos de impacto ambiental.

É um facto muito simples, e muito frequentemente esquecido: tudo o que requer consumo elétrico terá uma pegada carbónica associada à produção desta energia. E se a energia for produzida com recurso a combustíveis fósseis, esta pegada será pesada.

E o digital requer muita energia: a pegada carbónica da indústria digital já excedeu a das indústrias marítima e da aviação. Se a indústria digital fosse um país, refere o autor, seria a quarta nação mais poluída do mundo.

“A este ritmo, em 2030 as emissões de carbono associadas à internet terão crescido em 1700 milhões de toneladas, alcançando o equivalente de toda a Rússia no ano de 2019.”

No entanto, este impacto raramente é considerado quando se debatem as mudanças climáticas, a digitalização, ou inclusivamente a digitalização para a sustentabilidade: estas são apresentadas como sinónimos.

“A quarta revolução industrial é caracterizada pela invisibilização da pegada de carbono digital,” reforça o autor. “A indústria digital está dependente dos combustíveis fósseis, de enormes quantidades de água potável, de minerais cuja extração é extremamente poluente e requer a destruição de habitats vitais – tudo isto para o desenvolvimento de tecnologias a que vamos chamar verdes e limpas”.

 

O digital é físico

O consumo energético e consequentes emissões carbónicas não são a única problemática da indústria digital.

O “corpo” físico da internet – data centres, redes, satélites, componentes eletrónicos, dispositivos de ponta – requere enormes quantidades de recursos, incluindo minerais como o cobalto e o lítio, cujos processos de extração são complexos e poluentes.

“A Agência Internacional de Energia recentemente revelou que serão necessárias, a nível global, mais de 50 minas de lítio, 60 de níquel e 17 de cobalto para poder satisfazer a demanda das ‘energias limpas’ até 2030”, revela Pablo Rámez Cersosimo. “E até 2050 vamos necessitar de uma extração 12 vezes superior de minerais raros, sem os quais não existe mundo digital”.

Estes recursos, para além de limitados, dependem de processos de extração e refinamento extremamente poluentes. E serão, então, usados para produzir equipamentos com uma durabilidade deliberadamente limitada, sem possibilidade de serem reciclados posteriormente.

Esta obsolescência programada, explica o autor, é um dos problemas mais sérios que estamos atualmente a enfrentar.

“Só no ano de 2022 haverão 60 milhões de toneladas de lixo eletrónico – um peso superior ao da muralha da China, a maior estrutura artificial no planeta. Em 2050 este número superará os 111 milhões”.

Esta, alerta, é uma previsão prévia à pandemia, à guerra na Ucrânia, à chegada do metaverso, fatores que virão a complicar todo o panorama dos resíduos eletrónicos.

Em particular, com a chegada do metaverso virá toda uma nova geração de equipamentos adicionais, não recicláveis e de fraca durabilidade, aumentando exponencialmente os resíduos gerados e recursos necessários para responder à procura.

“ É importante deixar claro que o nosso mundo digital têm um limite, demarcado pelos recursos naturais do nosso planeta – e estamos a alcançar este limite”

 

O caminho em frente

Na sequência do COVID-19, a aceleração digital tornou-se a prioridade das nações, industrias, sociedades e governos. No entanto, a sua interação com as questões de alterações climáticas é ignorada – vivemos numa “fábula digital”.

Reduzir e controlar a pegada de carbono digital, sublinha Pablo Gámez Cersosimo, requer dotar todos os atores do conhecimento e pensamento crítico para questionar a utilizadade doo nosso consumo digital.

O autor dá o exemplo da França, o “primeiro país a compreender a gravidade do paradoxo da pegada de carbono digital e como isto apresenta uma ameaça à sua soberania nacional”.

A partir de janeiro deste ano, França tornou-se o primeiro país ocidental a aprovar uma legislação para regular a pegada de carbono digital. As empresas que operam no país ficam obrigadas a apresentar relatórios sobe o impacto da sua pegada carbónica digital, e está a ser criada uma estrutura para fiscalizar a vários níveis a pegada de carbono digital.

Por exemplo: quando os cidadãos recebem a fatura da sua operadora de telecomunicações ao fim mês, esta inclui com um cálculo das emissões correspondentes ao seu uso do serviço.

Isto serve duas funções: por um lado contribui para a educação do público para o impacto do digital – algo que já está também a ser incluído nos currículos escolares – e, por outro, de construir uma base de reconhecimento e responsabilidade das empresas que operam no país, obrigando-as a contabilizar devidamente o impacto das suas atividades.

“O maior problema que temos não é tecnológico, é de conduta. São as decisões que tomamos. E para tomar estas decisões, é preciso dotar as pessoas e a sociedade das consequências associadas às mesmas”.

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