Em entrevista com a Smart Planet, Rui Camolino, Presidente do ITS Portugal, explica como é que esta associação está a facilitar a coordenação entre o setor dos transportes e as entidades públicas e tecnico-científicas para tornar a mobilidade mais eficiente, sustentável e segura
A implementação de novas tecnologias que permitam tornar a mobilidade mais segura, eficiente e sustentável apresenta um conjunto de desafios para o setor dos transportes, seja na criação de normas, na coordenação com as entidades públicas ou no próprio acesso a recursos tecnológicos. A Associação ITS foi criada tendo em vista a promoção dos sistemas e serviços de transportes inteligentes, através da moderação, coordenação e dinamização do ecossistema de mobilidade e transportes em todo o mundo. Rui Camolino, Presidente do ITS Portugal, partilha com a Smart Planet como é que isto se tem vindo a traduzir no setor dos transportes e no panorama de mobilidade nacionais. Smart Planet: Como é que o ITS tem atuado no mercado português? Rui Camolino: O que o ITS tem feito é essencialmente aproximar a componente científica da componente empresarial, e de certa forma fomentar a internacionalização das empresas do setor. Por exemplo, neste momento temos estado em contacto com o ITS Holanda para negociar melhores condições para as nossas empresas que vão para esse mercado. Este tipo de trabalho faz parte do valor que trazemos às nossas empresas, especialmente nos casos em que estão à procura de tecnologia ou soluções diferentes, visto que muitas vezes nós claramente não somos quem está mais avançado em termos de tecnologia.
O que proporcionamos às nossas cerca de 40 empresas é a fomentação do diálogo entre as entidades públicas e privadas e a ligação destas com os setores do meio científico-tecnológico"
O que é que significa para uma empresa ser membro do ITS? Fundamentalmente, o que proporcionamos às nossas cerca de 40 empresas é a fomentação do diálogo entre as entidades públicas e privadas, a ligação destas com os setores do meio científico-tecnológico, e a interligação a nível internacional com a rede ITS – em particular com o ITS Europa. Fazemos também a ligação entre os vários ramos nacionais do ITS, que estão geridos pela ERTICO, mas cada um é uma entidade independente. Que tipo de empresas integram o ITS Portugal? Em termos de direção, temos representantes dos setores rodoviário e ferroviário; os setores marítimo e aéreo chegaram a estar representados, mas deixaram a direção por questões de internacionalização. Temos representantes de investigação e desenvolvimento – neste caso o INESCTEC, no Porto, que também está na direção – da indústria temos a EFACEC, e na última eleição juntámos também um elemento ligado à logística, por ser claramente uma área em rápido desenvolvimento. Estou também há vários anos a defender que tenhamos um representante do meio urbano, mas ainda não o conseguimos fazer. Não têm então qualquer ligação ao setor público? Em termos de representação, não; em termos de coordenação, temos relações estreitas com o IMT. Nenhuma entidade pública integra a organização, mas somos reconhecidos pelos vários ministérios ligados ao setor, e pelos institutos a eles associados.
"Foi claramente nos anos a seguir à crise de 2008 que o meio urbano acabou por ter um boom muito significativo. Depois disso, continuou a haver um crescimento muito significativo, mas em comparação com outras cidades a nível internacional estamos a crescer devagar."
Que evolução verificou na mobilidade em Portugal desde a criação do ITS Portugal? De 2015 a 2011 houve um grande desenvolvimento em termos da interligação das viaturas com as infra-estruturas urbanas. Na altura começaram-se a notar também nas áreas urbanas o aparecimento de alguns veículos elétricos e as primeiras bicicletas a motor ecológico. Mas foi claramente nos anos a seguir à crise de 2008 que o meio urbano acabou por ter um boom muito significativo – não só em Lisboa como no Porto, em Braga, Torres Vedras e Évora, entre outros. Depois disso, continuou a haver algum desenvolvimento, mas nunca tão acentuado. Podemos não estar a abrandar, mas em comparação com outras cidades a nível internacional estamos a crescer muito devagar. Têm o Congresso ITS a decorrer em maio. Em que vai consistir este evento, e que objetivos pretende alcançar? O que o ITS faz em todas as edições é abrir candidaturas para as cidades que queiram receber o Congresso no seu país. Este ano, isto cabe-nos a nós; estamos responsáveis pela logística do Congresso, fazemos as sessões abertura e fecho, as visitas técnicas e as demonstrações. Na sessão plenária de abertura será feita uma introdução aos vários temas, e depois serão formadas várias mesas, que no fim traz conclusões para a sessão final. Em paralelo, estará a decorrer uma cimeira ITS, que reúne simultaneamente entidades do setor público e privado, e vai ser a primeira vez que reunimos estes dois lados. O debate é em torno de em que medida é que o ITS pode introduzir as mudanças necessárias para termos uma mobilidade mais inclusiva, mais sustentável, mais eficiente do ponto de vista energético, etc, e de que forma é que o ITS pode dar suporte. Do ponto de visto da cimeira, preocupada também naturalmente com estes aspetos, os temas não vão fugir muito disto, mas vai haver uma maior aproximação do que é a capacidade de implementeção das câmaras, e receberemos alguns inputs do que esperam fazer em breve para que, conjuntamente com o privado, se vejam caminhos para serem trilhados.
"Os maiores centros urbanos, nomeadamente Lisboa e Porto, têm vindo a adotar sistemas de gestão de tráfego mais adequados às necessidades atuais"Como caracterizaria o panorama atual de mobilidade urbana em Portugal? Eu diria que a mobilidade urbana em Portugal está a evoluir relativamente bem. Os maiores centros urbanos, nomeadamente Lisboa e Porto, têm vindo a adotar sistemas de gestão de tráfego mais adequados às necessidades atuais. Juntamente com a adoção de modos suaves de mobilidade e as políticas de passes que têm vindo a ser implementada, este conjunto de vetores está a permitir-nos evoluir de forma consistente e alcançar uma mobilidade o mais sustentável possível. E quais foram os resultados destes esforços? Penso que, hoje em dia, o congestionamento tem padrões diferentes. Houve alturas em que se sentiu muito mais congestionamento em determinadas áreas específicas, mas têm vindo a ser feitas experiências para encontrar soluções de gestão de tráfego; tem sido processo de aprendizagem. A principal mudança foi a adoção do novo centro de controlo, que permite ter uma visão mais holística do tráfego e obter mais dados para orientar contextualizar estas experiências. Hoje em dia já temos muitas mais informações sobre o que se passa nas estrada. Dito isso, quais acha que são os maiores desafios que ainda têm de ser abordados? Creio que a sustentabilidade ambiental é a questão que mais preocupa os responsáveis, e aí penso que já estão a ser dados os passos necessários para a transformação e liberalização dos transportes. "A tecnologia é o motor do progresso, mas se não houver uma política orientadora não é possível avançar."Isto está a acontecer mais a nível de tecnologias, ou de políticas? Acho que uma coisa não consegue fugir da outra. A tecnologia é o motor do progresso, mas se não houver uma política orientadora não é possível avançar. Isto também está a acontecer a nível dos transportes públicos? Os transportes públicos estão a caminhar no sentido do eléctrico e do hidrogénio. No que toca a fabricantes nacionais, como a Salvador Caetano, estamos claramente a ver investimento no hidrogénio – e um dos temas em debate no Congresso vai de facto ser os autocarros de hidrogénio. Qual é a projeção temporal para a implementação destas tecnologias? Julgo que os equipamentos já estão desenhados; o que falta são os aspetos de contratualização. A questão vai ser claramente o balanço dos custos do hidrogénio e do elétrico. É uma questão que só o tempo pode responder, mas creio que menos de cinco anos. Que desafios é que as vossas empresas relatam experienciar neste processo de evolução? Julgo que, hoje em dia, a preocupação mais comum são as questões ambientais. Em termos práticos, o problema é maioritariamente de mercado. Os produtos já são aceites, o que quer dizer que, em termos de normas, tudo está mais ou menos estabelecido. A transição que falta é a nível das pessoas, que precisam de se consciencializar de que a sustentabilidade só virá com a alteração do seu dia-a-dia. O que prevê que vá acontecer nos próximos dez anos, no âmbito nacional? Estamos a terminar agora os projetos da interligação dos veículos com a infraestrutura. Portanto, nos próximos 10 anos, eu espero que haja uma disseminação destes sistemas cooperativos e que isto comece a permitir um melhor gestão do tráfego, quer urbano quer não urbano, do qual virão necessariamente resultados em termos ambientais. "A transição que falta é a nível das pessoas, que precisam de se consciencializar de que a sustentabilidade só virá com a alteração do seu dia-a-dia"
Como é que estes sistemas de comunicação veículo-infraestrutura estão a ser integrados em Portugal? Tudo isto começou com um projeto em que participei antes, o eSafety, no qual desenvolvemos o chamado sistema eCall, que permite contactar as autoridades em caso de acidente. Nesse projeto, começava-se a falar na comunicação veículo-infraestrutura, o que levou à formação de um grupo de trabalho para determinar a definição de infraestrutura inteligente. A conclusão retirada foi que, para o tema de facto ir para a frente, é necessário constituir um grupo entre a infraestrutura e o setor automóvel. Como isto não foi aprovado em Portugal, decidimos fazê-lo no estrangeiro, e foi assim que criámos em 2011 o chamado Grupo de Amsterdão, cuja a única função era planear a introdução de sistemas cooperativos na Europa. Entretanto a Comissão Europeia implementou a plataforma C-Roads, uma representação formal de vários Estados-Membro para o teste e implementação de sistemas cooperativos. A partir dessa altura, Portugal começou a integrar a plataforma, incluindo em termos de integração em entidades de normalização, e passou a ser estabelecido através do IMT. A abertura do CEF (Connecting Europe Facility) e a possibilidade de formar sistemas cooperativos no âmbito do C-routes. Para apresentar uma candidatura ao CEF, os os valores que são apresentados têm de ser previamente integrados no orçamento de estado, e é neste tipo de coordenação que o ITS traz de facto valor. Foi um projeto de oito milhões de euros com um apoio de cerca de quatro milhões. Os resultados vão ser apresentados no Congressos, a nível de um conjunto de eixos nos quais as empresas estão a implementar sistemas cooperativos nas várias auto-estradas. Em que âmbito é que atuam estes sistemas? Agimos em várias componentes, como a sinalização de acidentes e de trabalhos na estrada, as chamadas aplicações do dia 1 e 1.5 dos sistemas cooperativos de ligação veículo-infraestrutura, que deverão ser apresentadas no Congresso e que estão previstas serem demonstradas no projeto C-Roads Português. |