A segunda edição do Mob Lab Congress reuniu mais de 20 entidades e empresas do setor para debater a forma como a digitalização está a revolucionar a mobilidade e como as cidades estão a tomar partido destas soluções inteligentes
Sobrepopulação, problemas de crescimento económico, escassez de recursos e sobrecarga das infraestruturas – cada vez mais municípios estão a adotar soluções tecnológicas com vista a dar resposta a estes problemas, que continuam a agravar-se ao ritmo da migração para as cidades. Uma componente muito importante desta tendência é a mobilidade, que – entre o cada vez maior número de habitantes e a fraca adesão aos transportes públicos – está a assistir a um agravamento insustentável do tráfego, poluição, dificuldade de estacionamento e níveis de sinistralidade rodoviária. Em Portugal já são muitas as cidades a adotar soluções de mobilidade inteligente, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Foi com isto em mente que o Mob Lab Congress 2019 reuniu no dia 16 de maio, no Porto, mais de 20 entidades e empresas de referência no setor para debater o potencial, os riscos e as tendências das novas formas de mobilidade. Os dados enquanto eixo de transformaçãoHistoricamente, os avanços tecnológicos na mobilidade e transportes constituíram sempre pontos de viragem para a humanidade – da roda ao avião, a capacidade de viajar mais longe, mais rapidamente e com maior flexibilidade tem necessariamente um efeito transformador do funcionamento das sociedades. Esta nova etapa, no entanto, destaca-se por assentar não nos avanços técnicos, mas na informação. "Isto é cada vez mais importante: como é que podemos tomar decisões, a nível macro e a nível micro, que sejam fundamentadas? Isso de facto é o que vai criar valor no dia-a-dia da cidade”, refere Nuno Oliveira, Administrador Executivo da Soltráfego. O verdadeiro valor da mobilidade inteligente está em saber, em tempo real, toda a informação relativa ao ecossistema de mobilidade da cidade e agir sobre a mesma. Dados sobre os padrões do tráfego e localização de lugares de estacionamento disponíveis, por exemplo, permitem informar cada automobilista da rota mais eficiente para chegar ao seu destino. Saber que um autocarro em determinado ponto de uma rota já leva algum atraso permite comandar o sistema de gestão de semáforos para que liberte o seu percurso. Conhecer em detalhe as causas e padrões de congestionamento permitirá tomar melhores decisões relativamente ao planeamento urbano. Existem naturalmente outras componentes de relevo, como a utilização de veículos elétricos para diminuir as emissões de carbono e a disponibilização de meios alternativos de transporte como bike sharing. Contudo, para trazer valor, é necessária uma abordagem unificada, com base na integração e comunicação entre os sistemas da cidade. Um veículo totalmente autónomo pode ser muito conveniente para os seus passageiros, mas é apenas ao comunicar com outros veículos e com a infraestrutura que vai ter a capacidade de navegar a cidade da forma mais eficiente e segura possível. Num mundo cada vez mais digital, o volume de dados gerados não irá apenas potenciar novos serviços de mobilidade, como também transformar completamente os modelos de negócio. A partir do momento em que temos a capacidade de captar e analisar dados em tempo real, passamos a ter a capacidade de adaptar a oferta à procura. Esta, defende Inês Ferreira, da PT Empresas, é a espinha dorsal de todos estes novos modelos de negócio – e, apesar de já termos assistido ao nascimento de vários serviços dentro desta tendência, a verdadeira disrupção virá com o aumento acentuado do volume de dados gerados previsto para os próximos anos. “Quanto mais informação conseguirmos retirar dos nossos ativos, mais layers de serviços vamos conseguir. Não sei o que vai ser inventado, mas os serviços mais disruptivos ainda vêm aí”, explica Inês Ferreira. “Não tem de ser um projeto bilionário”, só é preciso ter prioridadesSegundo Nuno Oliveira, qualquer município tem a possibilidade de implementar um projeto de mobilidade inteligente, independentemente do seu tamanho ou recursos financeiros. A ideia de que este tipo de iniciativa requer um grande investimento inicial, relata, é dos principais fatores impeditivos à sua adoção. “Este é um dos problemas que tem acontecido com as smart cities em Portugal: a maior parte dos decisores políticos acha que vai ter de penhorar o futuro financeiro do município para começar”. A chave está em aproveitar o que a cidade já tem em termos de sistemas e infraestrutura operacionais e fazer com que estes comuniquem entre si para otimizar o seu funcionamento e estabelecer as bases para futuros projetos. O essencial, conclui, é que os projetos sejam escaláveis, ofereçam uma visão integrada dos sistemas e se enquadrem na estratégia alargada do município. E, nesta estratégia, os projetos devem sempre ser concebidos com vista a dar resposta a problemas que se façam sentir pelos seus cidadãos. “O mais importante é em que é que isto vai de facto mudar a vida das pessoas, e em muitos projetos a que assistimos parece que esse vetor, se não ficou esquecido, pelo menos não ficou logo no primeiro plano”. Estamos prontos?A adoção de novas tecnologias comporta sempre riscos. Não existe forma de saber com precisão que impacto vão ter a longo prazo, não se sabe qual será a sua aceitação por parte das pessoas e a legislação atual não foi escrita com elas em mente. Por um lado, com a digitalização da mobilidade, a cibersegurança e privacidade dos dados serão sem dúvida um tópico a abordar antes de podermos confiar e depender destas tecnologias. “O atual paradigma da cibersegurança será provavelmente insuficiente para os desafios que vamos passar a encontrar”, alerta João Moutinho, Coordenador do Departamento Urban and Mobile Computing, CCG. A segurança rodoviária poderá deixar de ser um problema, mas a cibersegurança virá - sem dúvida - substituí-la. A legislação é talvez o fator mais importante a considerar nesta transição – a mudança de paradigma que estas novas tecnologias e serviços trazem tem necessariamente de ser acompanhada por alterações legislativas. Isto não só para garantir a segurança dentro das cidades, mas também para salvaguardar a saúde de todo o ecossistema de mobilidade: regular o mercado, manter a competitividade e conciliar interesses contraditórios. “Não pode haver boas soluções a nível da mobilidade sem haver de facto acordo e colaboração entre os vários atores”, refere Maria José Guedes, Jurista da Câmara Municipal do Porto. “Não só os que têm funções a nível da regulação e legislação, mas também as áreas metropolitanas e os respetivos municípios”. Por outro lado, a legislação constitui também uma ferramenta na reformulação do funcionamento das cidades. E aqui, mais uma vez, repete-se o tema: as cidades têm de ser planeadas para as pessoas. Durante muito tempo, as cidades foram construídas a pensar nos automóveis, por serem o principal problema da gestão urbana. Se quisermos de facto mudar o panorama da mobilidade dentro das cidades, é necessário aplicar as pressões regulatórias corretas, através de medidas como a criação de zonas de acesso automóvel condicionado. Só assim, conclui, é possível que o automóvel privado possa deixar de ser a inevitável primeira escolha na mobilidade e que os espaços da cidade se adequem à utilização de meios alternativos de deslocação. |